A quarentena e os riscos de compliance
01 de abril 2020
Gabriela Guimarães
Empresários e executivos de todo mundo, além de economistas, vêm destacado a preocupação quanto as consequências da paralisação da economia a nível global. Segundo eles, a situação de contingenciamento, deve ter prazo pré-determinado, estimativa que deve ser comunicada pelas autoridades de modo a conter os excessos (e pânico), viabilizar a assertiva gestão da crise, além de permitir às pessoas, como pontuado por Thiago Nigro, o Primo Rico, “enxergar um horizonte”.
Sem entrar na avaliação das recomendações das autoridades e/ou profissionais da saúde, nem sequer na análise da gravidade da covid-19, fato é que a atual conjuntura demonstra a iminência de um colapso dos mercados, e não apenas os emergentes. A pandemia observada (das janelas e do atento olhar aos noticiários e mensagens que circulam nos grupos de WhatsApp, porque não podemos sair de casa), mergulha a economia no desconhecido e traz consigo uma série de riscos de Compliance.
Se no âmbito público, diante das decretações de estado de emergência e calamidade pública, existe o risco de fraude nas contratações de bens, serviços e mesmo de pessoal, em decorrência da flexibilização de processos e procedimentos, na esfera privada, onde estima-se o desligamento de milhares de profissionais e falência de muitas empresas, a situação tende a ser pior.
O estado de “pânico” poderá resultar tanto em ações individualizadas como institucionalizadas, como o impedimento de acesso de concorrentes à insumos, matérias-primas, bem como a canais de distribuição (a mídia já noticiou que empresas começam a ser afetadas pela falta de componentes oriundos da China); a utilização de meios enganosos para fazer oscilar preços de terceiros; a geração de dificuldade de acesso a investimentos necessários à produção de bens e/ou à sua distribuição; a imposição à distribuidores, varejistas e representantes de preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas e quaisquer outras condições de comercialização de produtos/serviços; a subordinação da venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço; a formação de cartel; dentre outras.
Sob a ótica do indivíduo, avaliada à luz do Triângulo de Fraudes, que permite identificar os motivos que originaram ou incentivaram a ocorrência da má conduta, podemos vir a observar a profusão de uma série de atos contrários às políticas corporativas ou mesmo às leis. Cressey, o autor da Teoria do Triângulo das Fraudes, explica que a atuação do profissional está condicionada a três dimensões: pressão (também denominada motivação), que decorre, dentre outras coisas, de problemas financeiros; oportunidade, que significa que o fraudador tem o conhecimento, por exemplo, das fragilidades dos processos e procedimentos da companhia, e a ocasião é favorável à má conduta; racionalização, situação na qual o fraudador classifica o ato de perpetrar uma fraude como aceitável e justificável.
Nesse contexto, se considerarmos o receio da perda do emprego e o fato de muitos profissionais estarem trabalhando de casa (nem todas as empresas contam com protocolos efetivos de segurança da informação e poucas realizam treinamento sobre a conduta a ser observada no trabalho remoto ou mesmo em tempos de crise), podemos concluir que o medo dos problemas financeiros, da eventual perda do plano de saúde corporativo, do status, associado às fragilidades dos mecanismos de Compliance e prevenção à fraude, quando justificadas por pensamentos como “me dediquei tantos anos à empresa”, “poderei ser descartado sem qualquer compaixão ou reconhecimento do meu trabalho”, “meu familiar encontra-se doente e preciso prover a assistência médica necessária”, “as contas não param de chegar durante o período de quarentena”, poderá resultar em fraude, potencializando as perdas das empresas, já fragilizadas pela recessão.
Os atos de fraude podem ser de diversas proporções, sendo os mais críticos relacionados à corrupção. A já mencionada flexibilização dos processos de contratação com a administração pública, e consequente contratação por dispensa, abre as portas para acordos e pagamentos indevidos, enquanto os investimentos em pesquisa, dentre elas, da cura para a covid-19, podem ir por água abaixo, se um funcionário recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador.
O momento não permite o negligenciamento das ações de Compliance e segurança da informação, e exige serenidade, por empregadores e empregados. Deve-se ter em mente que toda crise tem prazo determinado, mas que a reputação, seja a corporativa ou a pessoal ficam marcadas na memória do consumidor, dos empregadores e da sociedade de forma indelével.
O que é o lockdown?
O Lockdown, traduzido para o português como confinamento ou isolamento, é um protocolo de emergência que coíbe as pessoas deixarem uma determinada área, impõe limites ao livre trânsito.
O isolamento total (full lockdown) significa o impedimento de ingresso ou saída de determinada área, por exemplo, um prédio ou determinada área hospitalar com fito a evitar a disseminação de doenças pelo contato como paciente ou ambiente.
O isolamento parcial, por sua vez, significa a manutenção de serviços essenciais, tais como farmácias, hospitais, supermercados e tantos outros imprescindíveis às necessidades básicas da população.
Essa é a situação que vimos observando na maioria dos países que, no entanto, vem adotando severas medidas restritivas de viagem, a proibição de ingresso nos respectivos territórios.
Fonte: Estadão